19 de jun. de 2011

Educação do Homem Feudal

As transformações que a sociedade sofreu durante o feudalismo impuseram no domínio religioso, em relação à Antiguidade, algumas diferenças de importância. A religião cristã encontrou entre os romanos que nada possuíam uma atmosfera propícia para a sua difusão. O cristianismo foi transformado na religião do Império, ele já havia perdido totalmente a sua primitiva significação. 
E em poucos séculos a Igreja passou a controlar toda a economia feudal. Sendo os monastérios poderosas instituições bancarias de credito rural.


“os templos foram o berço da civilização monetária, tanto que nas peças que servissem de moeda esteve gravado, durante muito tempo, o emblema sagrado”. E. CURTIOS 
O monastério era uma lição viva de trabalho organizado e “racionalizado”. O celibato foi imposto ao clero principalmente para evitar que as riquezas acumuladas passassem a herdeiros particulares, ao invés de continuarem concentradas na comunidade.

Dispondo desse poderio, nada tem de assombroso o fato de que os monastérios também tivessem sido as primeiras “escolas” medievais. Desaparecidas as escolas “pagãs”, a Igreja se apressou em tomar em suas mãos a instrução publica. Escolas monásticas eram de duas categorias: umas destinadas à instrução dos futuros monges, chamadas “escolas para oblatas”, em que se ministrava a instrução religiosa necessária para a época, e outras destinadas à “instrução” da plebe, que eram as verdadeiras “escolas monásticas”.

Não se ensinavam a ler e nem a escrever. A finalidade dessas escolas não era instruir a plebe, mas familiarizar as massas campesinas com as doutrinas cristãs e, ao mesmo tempo, mantê-las dóceis e conformadas. Herdeiras das escolas catequistas dos primeiros tempos do cristianismo, estas escolas não se incomodavam com a instrução, mas sim com a pregação.

Durante toda a Idade Média, todos os que tinham interesses culturais e que não eram filhos de servos só poderiam satisfazer a sua curiosidade intelectual entrando para um convento. Quando se diz que os monastérios foram às únicas universidades e as únicas editoras, devemos entender essa afirmação no sentido de “universidades aristocráticas” e de “edições para bibliófilos".

À medida que o Imperio se recontituia, os monastérios foram criando ao lado das escolas oblatas, isto é, para criancinhas destinadas à vida monástica, outras escolas chamadas “externas”, que se destinavam aos clérigos seculares e a alguns nobres que queriam estudar, mas que não pretendiam tornar hábito. Gramática, retórica e dialética eram as colunas mestras do ensino dessas escolas.  

Preocupados unicamente em aumentar as suas riquezas pela violência e pelo saque, os senhores feudais desprezavam a instrução e a cultura. Para eles a servidão representava uma real vantagem sobre a escravidão. Era necessário um grande capital para adquirir e manter os escravos necessários, ao passo que a servidão não requeria qualquer gasto; o servo custeava a sua própria vida, e todas as vicissitudes do trabalho corriam por sua conta. 

O que o servo produzia por meio de um trabalho sem descanso ia passando, como tributo, de Mão em Mão, do vilão ao castelão, do castelão ao barão, deste ao visconde, do visconde ao conde, deste ao marques, do marques ao duque, e do duque ao rei. Cada grau implicava vassalagem em relação ao superior, e patronagem em relação ao inferior.

Por necessidades monetárias, o senhor feudal foi abrindo mão de muitos de seus privilégios e, quando em seus domínios começou a se formar uma nova classe social que exigia um lugar ao sol, o senhor não teve outro recurso a não ser vender essa liberdade.

A introdução de mercadorias no castelo fez com que o que até ontem era uma fortaleza, começava agora a ser um mercado. Os seus habitantes chamados burgueses acabaram se fundindo em uma classe pré-disposta a uma vida pacífica e urbana, bem distinta da vida guerreira e rural, que era apanágio da nobreza.

Tal transformação na economia e nas relações entre as classes tinha necessariamente de repercutir na educação. O aparecimento dos burgueses citadinos obrigou a Igreja a deslocar o centro do seu ensino. Se até o século XI, poderiam bastar as escolas dos monastérios, agora já eram necessárias as escolas das catedrais. O ensino passou, assim, das mãos dos monges, para as do clero secular. Os centros das suas preocupações pedagógicas eram sem duvida a teologia.
“Amar e venerar a Deus” ALCUÍNO
Mas, sob a influência da nova burguesia, que exigia a sua parte na instrução, a escola catedralícia foi, no século XI, o germe da universidade. A palavra universidade – universitas – era empregada na Idade Média para designar qualquer assembléia corporativa, fosse ela de sapateiros, ou de carpinteiros. No início, as universidades não passaram de reuniões livres de homens que se propuseram o cultivo das ciências. A expansão do comércio havia alargado de tal modo os horizontes da época que, ao mesmo tempo, no mundo cristão, afirmava ser a Terra plana, falava-se vagamente que, no Califado de Córdoba, a Geografia era ensinada com o auxílio de esferas e a burguesia que, mais do que qualquer outra classe social, percebia a importância vital desses problemas e compreendeu a necessidade de criar uma atmosfera intelectual mais adequada. E a universidade lhe proporcionou esse ambiente. Como todas as corporações, a universidade também submetia os seus membros a uma sucessão de provas e de graus.

O jovem que desejava estudar artes liberais deveria adquirir passo a passo, em um processo semelhante, os graus do bacharel, de licenciado e de doutor. Mas, a universidade ainda apresentava uma característica só sua, que a transformou na primeira organização francamente liberal da Idade Média. Não só eram os estudantes que determinavam quando deviam ter início as aulas, qual deveria ser a sua duração e etc, como também o próprio grupo governante só tinha poderes delegados. Os estudantes é quem fiscalizavam seus professores.

A fundação das universidades permitiu que a burguesia participasse de muitas das vantagens da nobreza e do clero, que até então lhe tinham sido negadas. A burguesia, por intermédio das universidades, ia-se apoderando da justiça e da burocracia.

A Igreja e os reis trataram de ter as universidades sob influencia. E, ainda que muitos reis tenham tido a iniciativa de fundar universidades e conceder-lhes privilégios, a Igreja não se deixou superar, e a Faculdade de Teologia foi colocada à testa das universidades.

Mas, ainda que nominalmente eclesiástica, a universidade era leiga no espírito. Os interesses intelectuais que a principio eram exclusivos da Igreja, passaram a ser filosóficos e lógicos. E é sob a aparente puerilidade das posições filosóficas, é que se escondia o profundo conflito do feudalismo com a burguesia.

Nos tempos em que afirmava orgulhosamente o seu poderio, a Igreja dizia pela boca de Santo Agostinho: “creio para compreender”. Mas, depois, quando já começava a se sentir ameaçada, Abelardo inverteu a frase dizendo: “compreendo para crer”. 

A riqueza dos comerciantes e dos industriais estava criando agora nas universidades medievais um clima adequado para o aparecimento dos doutores, da mesma for que, muito tempo antes, no século V a.C em Atenas, tinha feito surgir os sofistas e, mais tarde, já em Roma, os retores. 

Enquanto a burguesia mais rica triunfava nas universidades, a pequena burguesia invadia as escolas primárias. Nos meados do século XIII, os magistrados das cidades começaram a exigir escolas primárias, que as cidades custeariam e administrariam. Tratava-se de uma iniciativa que se dirigia diretamente contra o controle mantido pela Igreja. O simples fato do ensino ser pago já demonstra bem qual a espécie de alunos que frequentavam a universidade. Gozavam todos de boa situação financeira. 

As escolas municipais continuavam a ser escolas para privilegiados pelos alunos pagarem aos professores por seus ensinamentos. A burguesia não tinha nada de revolucionária na época. Reformadora, no máximo, ela crescia e prosperava dentro do molde feudal.

As “escolas municipais” do séc XIII, apesar de constituírem um enorme progresso em relação às monásticas, também nada tinham de “populares”, ainda que tivessem conseguido abrir uma grande brecha no ensino ministrado pela Igreja: a substituição do latim pelos idiomas nacionais, e uma tendência maior a ressaltar a importância da Aritmética e da Geografia. Estas duas ultimas matérias tinham para os comerciantes um interesse tão grande que eles as ministravam de maneira intensiva em certas escolas especiais que poderíamos chamar de escolas de contabilidade. 

A catedral gótica, a escolástica e a universidade não correspondem, pois, ao período em que a Igreja alcança triunfante o seu máximo esplendor, mas sim ao período da sua história em que ela começa a pactuar com as potências rivais.

Desde o século XI até o XV, a escolástica representou no front cultural um verdadeiro compromisso entre a mentalidade do feudalismo em decadência e a da burguesia em ascensão; um compromisso entre a fé, o realismo e o desprezo pelos sentidos, de um lado, e a razão, o nominalismo e a experiência, do outro. Ameaçada de perder o controle que exerceu sobre esse poderoso instrumento de domínio que é a cultura, a Igreja lançou à luta, as ordens de pregadores e os mendicantes; ferozes, os dominicanos; untuosos, os franciscanos. “Cães do Senhor”, os primeiros, a eles coube a triste glória de fundar a Inquisição.     

PONCE, A. Educação e luta de classe. São Paulo: Cortez Editora e Autores Associados, 1981. (Capítulo IV)

Escrito por Izabela Moreira Alves.